Olá, galera. Hoje decidi falar sobre a letrinha do
meu nome, e aproveitar também pra falar sobre a sua parente surda (já vou
explicar). Vamos entender a diferença entre os fonemas que são associados a
essas letras no português, no inglês e no coreano (que é muito interessante
para estudar o assunto fonético).
Primeiro, precisamos entender sobre a tal parente
surda. A maioria dos sons pode ser produzido de duas formas diferentes,
classificando-os como surdos (como p, t , f) ou sonoros (como b, d, v). Cada surda
se combina com uma sonora. Os exemplos são três pares de fonemas surdos e
sonoros que se combinam (respectivamente) por serem pronunciados da mesma
forma. Exemplo: o par de fonemas t/d é linguodental. Pronuncie e perceba que,
em ambas as letras, a língua bate no dente (tal como o fonema nasal n). A
diferença está lá no fundão, na hora de produzir o som. O interessante é que a
língua coreana não faz essa distinção. Eles possuem apenas uma letra gráfica
para cada par de fonemas surdo/sonoro. Por isso, o idioma me ajudou muito na
hora de estudar essa área da fonética.
Abaixo, fiz uma tabela com alguns exemplos pra você
entender melhor!
Surdo
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Sonoro
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Hangeul
(Coreano)
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Bilabial
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p
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b
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ㅂ
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Linguodental
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t
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d
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ㄷ
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Velar
|
k
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g
|
ㄱ
|
Labiodental
|
f
|
v
|
(não existe)
|
Agora,
vamos falar sobre as nossa letra temática, o J. Ele sempre tem som de /Ʒ/ no português: janela, jeito, pajé, etc. O som
também pode ser usado com a letra G, em alguns casos: girafa, margem, etc. Mas,
frequentemente, ao pronunciar nomes iniciados em J, os brasileiros pronunciam o
fonema com um “chiado”. Esse chiado também acontece em certas regiões do Brasil
quando unimos os fonemas linguodentais à letra I, como em “tia” e “dia”.
Repare, o som é diferente de “tatu” ou “dado”. Na língua inglesa, o J sempre é
pronunciado com esse chiado.
Mas o que realmente é esse chiado? Geralmente, na hora de
“abrasileirar” a pronúncia inglesa, usamos o “di” no lugar do “j”, e o “ti” no
lugar do “ch”.
Exemplos: Jewel > Diéuéu / Chance > Tiens
Isso acontece justamente porque nós só fazemos esse chiado
com a letra I. Mas o som que fazemos ao pronunciar essas palavras, na verdade,
não é com I.
O fonema que é usado para representar o J com chiado é /dƷ/,
que corresponde mais ou menos a “dj”. Ou seja, o melhor modo de abrasileirar é
com “dj”, e não “di”. Perceba:
Diéuéu X Djéuéu
Já o fonema para representar o T com chiado é o /tʃ/, (sendo ʃ o som de x em
“xícara”), que pode ser representado como “tx” ou “tch”. Repare que o “tch” é
exatamente o que usamos na palavra brasileira “tchau”, que é tão complicada
para ser escrita no início da alfabetização. Isso porque é a única palavra onde
esse dífono aparece sem estar acompanhada do I, e também a única onde os sons
aparecem claramente juntos. Agora veja a diferença que faz na hora de
abrasileirar:
Tiens X
Txens/Tchens
Talvez você não
perceba tanta diferença, mas o I é um fonema que não existe nessas palavras.
Tanto que você já pensa que esse I tem que ser pronunciado rápido, porque o que
você quer não é o I, mas sim o efeito de chiado produzido na união entre essas
letras. Muito melhor você representar apenas o chiado, para não correr o risco
de colocar força demais em um I que não existe.
No coreano, a
letra que representa o J e o CH americanos
é oㅈ, sendo o J sonoro e o CH surdo,
dois fonemas que se unem em um único caractere. A palavra coreana 전라도
romanizada ao pé da letra é “Jeon-ra-do”. No entanto, sabemos que esse j é como
o americano e tem chiado. Ele seria normalmente abrasileirado como Dión-ra-do
(“eo” tem som de “ó” aberto), mas agora você sabe que a maneira mais correta de
escrever é “Djón-ra-do”, ou até como “Txón-ra-do”, já que o som não faz tanta
diferença lá (mas a romanização oficial é com J: Jeolla-do).
Colocando
em prática no português:
Dia
> Djia
Tia
> Tchia ou Txia
Em
nomes:
Jéssica
> Djéssica
Jenifer
> Djenifer
Agora,
por quê essa diferenciação que fazemos com a letra I? Não sei, mas parece ser
uma vogal bastante especial. No coreano, a letra S também tem chiado apenas no
I, sendo pronunciada como “xi”. Além disso, talvez você não tenha reparado, mas
pode acontecer algo semelhante com a letra L, que junto à letra I pode ser
pronunciada como “lhi”. Repare: quando você diz “la, le, li, lo, lu”, a língua
bate no mesmo lugar (o alvéolo) todas as vezes, exceto no I (em que a língua
bate no céu da boca). O “l” é um fonema alveolar, e o “lh” é um fonema palatal
(porque a língua bate no palato duro). É exatamente por isso que as crianças
fazem confusão entre “lha” e “lia”. Exemplo: nas palavras “milha” e “família”,
o som final é o mesmo. Eu reparo essa diferença quando meu primo (de 6 anos)
fala “livro”, e não “lhivro” como eu falo.
Minha
conclusão é que a questão está no I. Vamos ver de novo:
Idioma
|
Consoante
|
Letra + vogais
|
Sons
|
Inglês
|
J
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ja – je – ji – jo – ju
|
djei – dji – djai – djou – djiu
|
Inglês
|
CH
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cha, che, chi, cho, chu
|
txei – txi – txai – txou - txiu
|
Português
|
D
|
da, de, di, do du
|
da
– de – dji – do - du
|
Português
|
T
|
ta, te, ti, to, tu
|
ta – te – txi – to - tu
|
Português
|
L
|
la – le – li – lo – lu
|
la
– le – lhi – lo - lu
|
Coreano
|
S
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sa – sae – se – si – seo – so – seu – su
|
sa – sé – sê – xi – só – sô – sü - su
|
Vou
estudar mais a fundo o motivo de essa vogal causar tanta diferença, mas
provavelmente está relacionada à sua formação. Acho que ela pode ter um ponto
de formação que “se encaixe” na formação do chiado.